Não era mais uma menina com um livro...

...era uma mulher com seu amante.

Clarice Lispector

sábado, 20 de março de 2010

A Primavera... chegou...

Cultivei a semente da árvore
também para os passarinhos,
sem saber se vinham.
Mesmo que não viessem,
porque eu os aguardava,
eles já cantavam no meu coração.
Rita Apoena

quinta-feira, 4 de março de 2010

Cai chuva do céu cinzento

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Cai chuva do céu cinzento
Que não tem razão de ser.
Até o meu pensamento
Tem chuva nele a escorrer.
Tenho uma grande tristeza
Acrescentada à que sinto.
Quero dizer-ma mas pesa
O quanto comigo minto.
Porque verdadeiramente
Não sei se estou triste ou não.
E a chuva cai levemente
(Porque Verlaine consente)
Dentro do meu coração

Fernando Pessoa

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

...e isso me basta...

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Eu ouço apenas um rouxinol

Há quem tenha todas as filosofias do mundo
eu ouço apenas um rouxinol na floresta
e isso me basta.
Gosto de ouvi-lo. É tudo.
Bebo o vinho, beijo na língua,
e não sei a casta.

Outros são os enólogos,
os profundíssimos enólogos.
Eu mal distingo o azal do cabernet,
o loureiro do trajadura.
E assim vivo, animal de sons e cheiros,
longínqua e lunática criatura.

Há quem tenha todas as filosofias do mundo.
Eu ouço apenas um rouxinol na floresta
e isso me basta.
Gosto de ouvi-lo. É tudo.
Sou de uma espécie rara: estrela-do-mar
em terra, no fim de tarde tranquilo.
José Carlos de Vasconcelos

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Namorar é querer ir além…

Na leve brisa que passa,
o pensamento voa ao longe.
Junto do amado querer estar,
para um abraço apertado ganhar.

Namorar é estar bem com a vida,
sorrir o sorriso da criança…
Desejar uma presença distante,
e ter do aconchego esperança.

Ter um toque na memória,
e sentir calafrios ao recordar…
De um olhar, um aperto de mão,
e a presença de alguém desejar.

Namorar é querer ir além…
Fantasiar, ter sonhos eróticos.
Sentir a pele tua macia,
no lençol que a noite me acaricia.

Ouvir música ao longe,
eterna e querida melodia…
Fazer amor com as palavras,
de sua singela poesia.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

São Rosas...


Quem me quiser há-de saber as conchas
a cantiga dos búzios e do mar.
Quem me quiser há-de saber as ondas
e a verde tentação de naufragar.

Quem me quiser há-de saber as fontes,
a laranjeira em flor, a cor do feno,
a saudade lilás que há nos poentes,
o cheiro de maçãs que há no inverno.

Quem me quiser há-de saber a chuva
que põe colares de pérolas nos ombros
há-de saber os beijos e as uvas
há-de saber as asas e os pombos.

Quem me quiser há-de saber os medos
que passam nos abismos infinitos
a nudez clamorosa dos meus dedos
o salmo penitente dos meus gritos.

Quem me quiser há-de saber a espuma
em que sou turbilhão, subitamente
- Ou então não saber coisa nenhuma
e embalar-me ao peito, simplesmente.

Rosa Lobato Faria

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Esta é a noite...

...deve existir uma outra
noite
onde caibamos todos
inocentemente felizes
a comer laranjas
e a discutir problemas de aromas
de flores...

Francisco Duarte Mangas

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Ano Novo

Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
um indivíduo genial.
Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez,
com outro número e outra vontade de acreditar que daqui para diante vai ser diferente

Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Sê inteiro

Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.

Ricardo Reis

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Dançar...


Dançar é escrever com o corpo
no espaço estendido à frente,
alongar-se, encolher-se,
rodopiar,
inclinar-se.
jogar-se em absoluta confiança
no Outro que a(m)para,
depois de centenas de ensaios...
Dançar é tocar música
com gestos, com os pés,
absolutamente sem voz,
na arrasadora maioria das vezes.

Dançar é interpretar com meneios
e oscilações impressionantes
ao nosso olhar surpreso,
pois temos os pés no chão,
as nuances da mensagem, do enredo,
da palavra em das formas desenhadas
no espaço...

O corpo é o instrumento dos dançarinos:
suas mãos-libélulas,
suas mãos- borboletas,
suas mãos-colibris
escrevem versos no ar...

Clevane P. Lopes

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Sonho

Pelo sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos, pelo sonho é que vamos.
Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos e ao que é do dia a dia.
Chegamos? Não chegamos?
- Partimos. Vamos. Somos.
Sebastião da Gama

sábado, 5 de dezembro de 2009

Minúsculos pés

Por momentos dançam nas colinas
ou nos olhos das rolas:
vão para o sul, procuram
a luz molhada das ilhas,
os minúsculos pés da chuva,
a crepitação do mar,
o cheiro juvenil da lenha

ainda verde e com resina,
a alma das pequenas praças,
os pardais, o sussurro das matinas.

Eugénio de Andrade

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Ser

Procuro despir-me do que aprendi
Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,
E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,
Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,
Desembrulhar-me e ser eu...

Alberto Caeiro

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Lua

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Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...

Cecília Meireles

domingo, 22 de novembro de 2009

Voar

@

Abro minhas asas para embelezar
Não as preciso para voar.
Vou longe por mim mesma
Minha vontade me conduz...

Tiro minhas vestes e solto os cabelos
Deixo-me levar pelos ventos...
Não preciso de embalagem e máscaras
Não tenho vergonha de ser e querer.

Não preciso prender-me, conter-me...
Abro-me toda, dou-me por completa.
Assim eu sou...

Desde que do casulo saí
Nada mais me prende.

Aprendi a me soltar
Sem ter medo de cair...

Carolina Salcides

sábado, 14 de novembro de 2009

Imortal


De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):

Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Vinicius de Moraes

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Sozinha...

Caminho do campo verde,
estrada depois de estrada.
Cercas de flores, palmeiras,
serra azul, água calada.

Eu ando sozinha
no meio do vale.
Mas a tarde é minha.

Meus pés vão pisando a terra
que é a imagem da minha vida:
tão vazia, mas tão bela,
tão certa, mas tão perdida!

Eu ando sozinha
por cima das pedras.
Mas a flor é minha.

Os meus passos no caminho
são como os passos da lua:
vou chegando, vais fugindo,
minha alma é a sombra da tua.

Eu ando sozinha
por dentro dos bosques.
Mas a fonte é minha.

De tanto olhar para longe
não vejo o que se passa perto.
Subo o monte, desço o monte
meu peito é puro deserto.

Eu ando sozinha
ao longo da noite.
Mas a estrela é minha.

Cecília Meireles

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Amar

Eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida eu vou te amar
A cada despedida eu vou te amar
Desesperadamente
Eu sei que eu vou te amar

E cada verso meu será para te dizer
Que eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida

Eu sei que vou chorar
A cada ausência tua eu vou chorar
Mas cada volta tua há de apagar
O que essa ausência tua me causou

Eu sei que vou sofrer
A eterna desventura de viver
A espera de viver ao lado teu
Por toda a minha vida

Vinícios de Moraes

sábado, 7 de novembro de 2009

Retrato

Que morte é a sombra deste retrato,
onde eu assisto ao dobrar dos dias,
órfão de ti e de uma aventura suspensa?

Tu não eras só este perfil.
Tu não eras só este sossego aconchegado
nas mãos como num regaço.
Tu não eras apenas
este horizonte de areia com árvores distantes.

Falta aqui tudo o que amámos juntos,
o teu sorriso com as ruas dentro,
o secreto rumor das tuas veias
abrindo sulcos de palavras fundas
no rosto da noite inesperada.
Falta sobretudo à roda dos teus olhos
a pura ressonância da alegria.

Lembro-me de uma noite em que ficámos nus
para embalar um beijo ou uma lágrima,
lutando, de mãos cortadas, até romper o dia,
largo, intacto,
nas pálpebras molhadas dos lírios.

Tu não eras ainda este perfil
com uma rosa de cinza na mão direita.
Eu andava dentro de ti
como um pequeno rio de sol
dentro da semente,
porque nós – é preciso dizê-lo –
tínhamos nascido um dentro do outro
naquela noite.

Esse é o teu rosto verdadeiro;
o rosto que vou juntando ao teu retrato
como quando era pequeno:
recortando aqui,
colando ali,
até que uma fonte rasgue a tua boca
e a noite fique transbordante de água.

Eugénio de Andrade

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Simplesmente

Voltar a ser
onda que enlaça a praia
e logo dela se desprende
arrastando uns pós de areia
no engano de levar da praia um beijo

ou uma ideia

ou alegria do amor
simplesmente.
António Branco

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Palavras

Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.

Alexandre O'Neill

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Outono

Outono. As árvores pensando ...
Tristezas mórbidas no mar ...
O vento passa, brando ... brando ...
E sinto medo, susto, quando
Escuto o vento assim passar ...

Outono. Eu tenho a alma coberta
De folhas mortas, em que o luar
Chora, alta noite, na deserta
Quietude triste da hora incerta
Que cai do tempo, devagar ...

Outono. E quando o vento agita,
Agita os galhos negros, no ar,
Minha alma sofre e põe-se aflita,
Na inconsolável, na infinita
Pena de ter de se desfolhar ...

Cecília Meireles

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Instante

Se tanto me dói que as coisas passem
É porque cada instante em mim foi vivo
Na busca de um bem definitivo
Em que as coisas de Amor se eternizassem

Sophia de Mello Breyner Andresen

domingo, 1 de novembro de 2009

Segredo



Sei um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo, redondinho,
Tem lá dentro um passarinho
Novo.

Mas escusam de me atentar:
Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar
Este segredo comigo.
E ter depois um amigo
Que faça o pino
A voar...

Miguel Torga



Este poema foi-me enviado pela minha amiga, muito querida, Fê Blue Bird, num dia em que o meu coração estava a precisar de miminhos.

Há muito que me apetecia criar um blog só com poesia.

À Fê, dedico-lhe Sussurra-me um Poema.

Obrigada pela sua amizade, pelo seu carinho...
 
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